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Sobre a cana-de-açúcar e a descarbonização energética

Falta uma política setorial clara, capaz de estimular investimento

O economista Jeffrey Sachs, em seu artigo "Os limites das negociações do clima", publicado na edição de 27/6/2014 do Valor, afirma que os países precisam inspirar-se nos casos em que governos, cientistas e indústria uniram-se para produzir grandes mudanças para o mundo vencer a crise decorrente das mudanças climáticas.

Nesse aspecto, o Brasil é frequentemente lembrado e elogiado com relação às emissões antrópicas associadas à matriz energética. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com relação às emissões por habitante, cada brasileiro, produzindo e consumindo energia em 2013, emitiu em média 2,3 t CO2 equivalente (tCO2 -eq), ou seja, aproximadamente 8 vezes menos do que um americano e 3 vezes menos do que emite um europeu ou um chinês.

O fator que possibilita esse desempenho brasileiro tem sido a elevada participação de energia renovável na matriz energética, e que se manteve entre as mais elevadas do mundo em 2013, mesmo com a redução de oferta de energia hídrica e o aumento da geração térmica mais poluente.

De fato, até houve uma redução na participação das renováveis na matriz energética brasileira de 42,3% para 41%, mas que não foi maior devido ao aumento de quase 10% na oferta interna de energia pelos produtos da cana-de-açúcar, leia-se etanol e bioeletricidade.

O aumento da oferta de cana e de etanol na safra passada na Região Centro-Sul, da ordem de 10%, ocorreu justamente em um período de falta de rentabilidade para os produtores, o que pode parecer um contrassenso, mas é reflexo do enorme esforço que tem sido realizado para reduzir a capacidade ociosa nas usinas instaladas.

Também do lado da bioeletricidade não ocorreu cenário diferente. Dados apresentados pela EPE mostram que a fonte biomassa atingiu uma geração recorde total de 39.679 GWh, um valor 14% superior ao ano anterior e equivalente a 1/3 do consumo anual residencial no sistema interligado em 2013. Basicamente, o resultado dessa geração foi fruto do citado aumento da oferta de cana e da maturação de investimentos realizados em anos anteriores, sob um cenário institucional totalmente diferente do quadro adverso atual.

Essa produção de bioeletricidade foi superior à geração de energia elétrica somada das fontes carvão, nuclear e eólica durante todo o ano, num momento em que a energia armazenada nos reservatórios das hidrelétricas apresentou os piores valores desde 2001, quando se decretou o racionamento de energia.

Mesmo com esse desempenho estratégico dos produtos energéticos da cana causa extrema preocupação o futuro do setor sucroenergético na matriz elétrica brasileira. A preocupação reside na inexistência de uma política setorial clara, estruturante e capaz de estimular o investimento no etanol e na bioeletricidade, comprometendo o futuro desses produtos na matriz energética brasileira. Ao contrário, os incentivos decorrentes da política pública brasileira voltada para combustíveis e eletricidade têm estimulado o consumo de combustíveis fósseis por meio de subsídio e desoneração tributária da gasolina. O resultado tem sido desastroso.

Segundo o Centro Nacional das Indústrias do Setor Sucroenergético e Biocombustíveis (Ceise Br), em meados de 2013 cerca de 250 indústrias de Sertãozinho-SP, o "Vale do Silício da Indústria Sucroenergética", apresentavam ociosidade chegando a 60%. Desde 2010 empresas de bens de capital voltadas para a indústria canavieira registram queda de 50% no faturamento, com corte de milhares de postos de trabalho e 66 unidades produtoras de açúcar e etanol em recuperação judicial atualmente, considerando as unidades em operação e também as inativas.

Outra consequência dessa conjuntura: em 2008, os desembolsos do BNDES em bioeletricidade sucroenergética chegaram a R$ 2 bilhões. Em 2013, foram de apenas R$ 200 milhões, reflexo de um cenário de incertezas quanto ao papel tanto da bioeletricidade quanto do etanol na matriz de energia do país.

Nenhuma cadeia produtiva consegue sobreviver a uma política de stop and go como a que está vivenciando o portfólio de produtos do setor sucroenergético. Este é um péssimo sinal. É necessário estabelecer condições institucionais para que o etanol e a bioeletricidade sejam tratados como prioridade no planejamento energético brasileiro.

O investimento em bioeletricidade será impulsionado de forma consolidada novamente quando voltarmos a expandir os canaviais. E essa expansão somente acontecerá se tivermos políticas públicas que estimulem o etanol hidratado e seu papel na matriz de energia do Brasil. Etanol e bioeletricidade são produtos sinérgicos e, portanto, precisam de políticas públicas concatenadas adequadas e de longo prazo.

Na linha do artigo do professor Jeffrey Sachs, para que etanol e bioeletricidade continuem sendo casos brasileiros de sucesso e possam servir de inspiração para o mundo quanto à "descarbonização" do sistema energético, o setor sucroenergético não pode continuar sendo penalizado por políticas públicas distorcidas que não reconhecem os atributos desses produtos e seu papel na matriz energética brasileira.

*Artigo elaborado por Elizabeth Farina (presidente da UNICA) e Zilmar de Souza (gerente em Bioeletricidade da UNICA) para o Jornal Valor Econômico (15/07/2014).

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